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Celebridade de volta no viva: vingança e desafios morais

Foto do escritor: Renan Araújo Renan Araújo


Gilberto Braga foi um dos mais renomados autores da teledramaturgia brasileira, e sua obra é marcada por personagens movidos pela busca da ascensão social e do prestígio, muitas vezes a qualquer custo. Essa característica, presente em novelas como Vale Tudo (1988), O Dono do Mundo (1991) e Celebridade (2003), guarda forte relação com a tradição literária brasileira, especialmente com Machado de Assis.


A influência machadiana


A referência ao conto machadiano "Teoria do Medalhão" é importante para compreender o universo ficcional de Gilberto Braga. Nesse conto, Machado de Assis retrata um jovem aconselhado pelo pai a se tornar um "medalhão", ou seja, alguém que foca exclusivamente na aparência e no reconhecimento social, sem necessariamente possuir mérito real. Esse tema é refletido em diversas tramas do autor, onde personagens ambiciosos fazem de tudo para alcançar a fama e o poder.


Em Vale Tudo, a personagem Aldeíde Candeias (Lília Cabral) é um exemplo da busca pela ascensão social, ainda que não seja a protagonista principal. Assim como Brás Cubas, ela e outros personagens querem sair da obscuridade e alcançar o prestígio.

Já em Celebridade, a rivalidade entre Maria Clara Diniz (Malu Mader) e Laura Prudente da Costa (Cláudia Abreu) se baseia nesse desejo de alcançar a glória pública. Laura, disfarçando-se de assistente humilde, manipula todos ao seu redor para conquistar o que deseja, atropelando qualquer obstáculo em seu caminho.


A relação com a história do brasil


Além da influência machadiana, Braga também dialoga com outros aspectos da literatura e da história brasileira. Força de um Desejo (1999), escrita em parceria com Alcides Nogueira, é um exemplo notável. Inspirada em Visconde de Taunay, a novela retrata as tensões sociais do século XIX, pouco antes da Abolição da escravatura e da Proclamação da República.


A família Sobral, detentora do poder econômico, tenta manter sua posição diante de ameaças como a ascensão do vilão Higino Boaventura, um homem que enriqueceu sem ser nobre, e o casamento de Inácio, herdeiro da família, com uma cortesã.

Esse embrião de luta por status e poder no século XIX é transportado para novelas contemporâneas como Vale Tudo, O Dono do Mundo e Pátria Minha, que mostram um Brasil marcado pela desigualdade social e pelas elites tentando manter seus privilégios.


O impasse das elites e a crítica social


Gilberto Braga foi um mestre em usar suas novelas para expor a hipocrisia da sociedade brasileira, em especial a corrupção e a impunidade das classes dominantes. As tramas que ele criou refletem o conceito do crítico Roberto Schwarz sobre o "impasse ideológico das elites", ou seja, a contradição entre um discurso moderno e democrático e a prática conservadora que mantém as desigualdades.


Vale Tudo imortalizou a frase "Quem matou Odete Roitman?", mas o maior impacto da novela foi sua crítica à corrupção e ao jeitinho brasileiro. O final, onde a vilã se safa da justiça, chocou o público e reforçou a mensagem de que a impunidade reina no país.


O Dono do Mundo foi ainda mais ousada ao mostrar um protagonista (Felipe Barreto, interpretado por Antônio Fagundes) que, como um "barão do café" moderno, seduz, manipula e destrói vidas sem nunca ser punido.


Pátria Minha trouxe o embate entre empresários inescrupulosos e personagens idealistas, num contexto de crise ética e moral.


Em todas essas obras, Braga substitui os barões do café por empresários, banqueiros e profissionais liberais, mas mantém o mesmo conflito básico: quem está no topo quer continuar no poder, e quem está embaixo sonha em ascender, nem que para isso precise passar por cima de qualquer ética.


Celebridade: a história


Exibida entre 2003 e 2004, Celebridade é uma das novelas mais marcantes de Gilberto Braga, explorando temas como ambição, inveja e a busca pelo sucesso a qualquer custo.


A trama gira em torno do embate entre Maria Clara Diniz (Malu Mader), uma empresária bem-sucedida da indústria musical, e Laura Prudente da Costa (Cláudia Abreu), uma jovem ambiciosa que se aproxima dela fingindo admiração, mas, na verdade, quer roubar tudo o que Maria Clara conquistou.


Maria Clara construiu sua carreira com talento e dedicação, tornando-se uma das figuras mais influentes do entretenimento. No entanto, sua vida começa a desmoronar quando Laura, disfarçada de amiga leal, se infiltra em sua empresa e sua vida pessoal, aliando-se ao inescrupuloso Marcos Rangel (Márcio Garcia) para aplicar um golpe devastador.


Com uma vilã carismática e inescrupulosa, Celebridade se tornou um grande sucesso, destacando cenas icônicas, como a famosa surra que Maria Clara dá em Laura após descobrir sua traição.


Maria Clara Diniz


Gilberto Braga construiu uma história arriscada em Celebridade, onde Maria Clara Diniz, a protagonista, não é a típica "musa do verão", mas uma mulher mais complexa e envolvida em situações complicadas. A trama ficou mais interessante justamente porque Maria Clara não era uma figura de fácil simpatia, o que poderia gerar rejeição do público, especialmente em uma sociedade de cunho machista.


Maria Clara é enganada ao acreditar que a música "Musa do Verão", que seu noivo compôs, foi inspirada nela, quando, na verdade, a canção foi composta por Ubaldo para a mãe de Laura (Cláudia Abreu), a antagonista. Esse engano coloca Maria Clara em uma situação vulnerável, mas Braga conseguiu fazer com que o público não a rejeitasse. Isso se deve a detalhes importantes na construção da trama e dos personagens.


Primeiro, Maria Clara não é culpada por esse erro; ela realmente acreditava na versão de seu noivo. Além disso, Beatriz (Déborah Evelyn), a esposa de Fernando, é construída como uma personagem difícil de simpatizar: preconceituosa e chata, o que torna mais fácil para o público não condenar Maria Clara por sua relação com Fernando. Ao contrário, em outros enredos, como em Mania de Você, onde Luma (Agatha Moreira) e Viola (Gabz) tinham uma relação de amizade que se rompeu devido a uma traição, a empatia do público para com a protagonista seria impossível de ser conquistada.

Portanto, Gilberto Braga soube criar uma dinâmica de personagens que equilibrava os erros e falhas de todos os envolvidos, fazendo com que a história fosse mais intrincada e emocionalmente envolvente, sem que a mocinha fosse imediatamente rejeitada pelo público.


Laura Prudente da Costa


Laura (Cláudia Abreu) é uma das vilãs mais complexas e fascinantes da teledramaturgia brasileira, construída por Gilberto Braga com maestria. Sua trajetória em Celebridade desafia o espectador a refletir sobre justiça, vingança e as nuances da moralidade. Embora a audiência tenha todos os motivos para torcer por ela, devido à injustiça que sofreu, a complexidade de sua personalidade a transforma em uma vilã que, mesmo tendo razões legítimas, se perde em seu desejo de destruição.


O início da história de Laura é, de fato, marcado por um grande trauma: a sua mãe é rejeitada por Maria Clara, que, sem saber, se torna a musa da música "Musa do Verão", composta por Ubaldo. A mãe de Laura, ao contrário de Maria Clara, tem a verdadeira razão de ser reconhecida como a verdadeira musa da canção e essa verdade a faz se sentir profundamente injustiçada, o que a leva a planejar uma vingança implacável.

Ao se infiltrar na casa de Maria Clara com o objetivo de encontrar materiais que comprovem a autoria de Ubaldo, Laura começa a mostrar o quanto está disposta a ir longe para fazer justiça. No entanto, o público poderia facilmente torcer por ela, dado que sua causa parecia justa: ela queria o que era seu por direito. A personagem, inicialmente, parece ser uma vítima do sistema e da própria Maria Clara, que nunca reconheceu sua mãe como a verdadeira musa.


Porém, a genialidade de Gilberto Braga é revelada à medida que a história avança. Laura não se contenta apenas com o que é seu. Sua sede de vingança a transforma em uma sociopata, que não quer apenas os royalties da música; ela deseja destruir Maria Clara. Laura acredita que Maria Clara sabia de tudo, e sua obsessão em vê-la sofrer se torna a principal motivação de suas ações. Essa busca por destruição é o que torna a personagem ambígua: ela tem razão, mas suas ações a afastam da empatia do público.


O ponto de virada acontece quando Laura, finalmente, consegue conquistar tudo o que queria: os direitos sobre a música, os royalties e a destruição de Maria Clara. No entanto, a vilã não se dá por satisfeita. Ela ainda deseja vê-la no fundo do poço, e para isso, elabora um plano para incriminar Maria Clara, colocando drogas em seu carro, o que a leva à prisão. A cena na cadeia, em que Laura leva um café para Maria Clara, é uma das mais emblemáticas da trama e é lembrada até hoje. Laura revela a Maria Clara a verdadeira razão de sua vingança: não foi por acaso, mas por justiça. Para Laura, tudo o que fez foi um reequilíbrio de forças, uma maneira de corrigir o erro que sua mãe sofreu.


A construção dessa personagem como uma vilã complexa, que embora tenha uma história de injustiça legítima, se perde em sua própria vingança, é um dos maiores acertos de Celebridade. Gilberto Braga conseguiu criar uma personagem que, apesar de suas motivações claras, acaba se tornando irreconhecível, desafiando a noção de justiça e moralidade. Assim, o público se vê dividido, amando odiar Laura, uma vilã que realmente "tinha razão", mas se perdeu em seu desejo de vingança.


Celebridade será exibida novamente pelo Viva a partir de 24 de março. E você, vai assistir?


 
 
 

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